quinta-feira, 26 de abril de 2012

A contribuição de Lutero para o desenvolvimento da subjetividade moderna e Ciência Psicológica



 Introdução

Poderemos somente entender a situação atual de alguém ou algo se nos esforçamos em entender a sua história e trajetória. Semelhantemente, se desejamos entender a psicologia de hoje, necessitamos nos esforçar em compreender como pensadores de diferentes épocas e das mais diversas áreas do saber contribuíram para o que entendemos hoje como ética e psicologia.
Entre os muitos pensadores podemos destacar nesse texto o religioso e filósofo Martín Lutero que revolucionou a história de toda uma época e abalou as estruturas de um mundo religioso em que o poder e a interpretação divina estavam ás mãos de um grupo de pessoas.
O objetivo desse texto não é dissertar a trajetória religiosa ou biográfica de Lutero, mas entender como essa trajetória influenciou o pensamento ético e psicológico da idade média, moderna e contemporânea. Desejamos ser fiéis ao relato, livrando-nos se possível, de estereótipos e preconceitos, o que aqui queremos pontuar é o homem Lutero e suas contribuições.


A individualidade ameaçada – Contexto histórico

O Velho Mundo estava sujeito a duas majestades: O Rei e o Papa. É complicado afirmar quem exercia mais poder sobre as massas, porém, o que podemos dizer que eram os eclesiásticos que mantinham maior contato com o povo.
Visto que a Igreja Católica advogava um tipo de teocracia, ou governo sob a regência de Deus, ela como religião oficial, mantinha o direito de interpretar Deus, representá-lo na terra e encaminhar a inteira nação à salvação através de suas obras em favor da própria Igreja, constituída pelo corpo eclesiástico (os clérigos) sob a regência do Sumo Padre, o Papa.
A Igreja, ao assumir essa posição de interlocutora entre Deus e o homem, na verdade exercia forte influência sobre o Estado, pois obviamente os governantes de alguma forma também queriam ganhar a salvação.
Portanto, substantivamente estavam todos submissos ao Papa e sua autoridade eclesial, e, em muitos casos, administrativa e política.
É também um fato que, influenciados pelo pensamento neo-platônico de que a alma humana imortal estava dividida em três partes e que a mais nobre era a racional, os sacerdotes por terem se desenvolvido como homens da razão, da intelectualidade e do raciocínio eram considerados superiores aos demais. Assim, todos os outros quer fossem servos, escravos e soldados estavam subordinados aos intelectuais, já que os mesmos tinham desenvolvido a parte mais nobre da alma e por terem participado da seleção social baseadas em suas aptidões intelectuais (FREIRE, p. 35). Os principais intelectuais da época pertenciam a determinadas ordens religiosas e a investigação filosófica pautava-se entre a compreensão da fé e razão. A fé e a religião era o conhecimento mais elevado e, portanto, a preocupação filosófica resumia-se em explicar a “fé cristã” racionalmente.
Percebemos assim que a individualidade dos que comungaram nessa época estava ameaçada por um tipo de casta “divina” desenvolvida a partir dos interesses clericais. Estavam todos sujeitos e submissos a intelectualidade papal, a moralidade por eles defendida e sua concepção de sociedade. Quem ousasse em questionar ou opor-se a essa hierarquia era tachado de herege, desprezado pela Igreja, pela comunidade local e pelo restante da sociedade. Nenhum indivíduo gostaria de contrariar esse regime e ter sua salvação eterna comprometida. Sim, a individualidade daquelas pessoas estava comprometida.
O papel da Igreja era lembrar a condição pecadora do homem e propor a salvação de sua alma através de obras em prol da Igreja, como pagamento de dízimo e de indulgências, e o papel do Estado era secular e temporal, e como característica primordial usar a força física (intimidação) a fim de que todos pudessem seguir os preceitos estabelecidos pela Igreja. Sobre isso, Etienne Gilson chega a afirmar que “para um pensador da Idade Média, o Estado está para a Igreja como a filosofia para a teologia e a natureza para graça”. (Gilson, 1993).
Porém, nesse meio tempo houve aqueles que estavam descontentes tanto com a teocracia e eram a favor de um Estado Laico ou não-religioso e também com a centralização no poder eclesial mantido pela hierarquia católica. Muitos queriam recuperar a individualidade perdida e estabelecer um tipo de código de ética que impedisse que o poder central da Igreja mantivesse o monopólio e dominasse através da argumentação as massas populares.

   Lutero x Escolásticos – Busca individual por Deus
John Wyclif

No século XIV, o teólogo inglês John Wyclif, doutor em teologia na Universidade de Oxoford, defende a idéia de uma igreja nacional, traduz a bíblia para o inglês e recusa a intromissão da Cúria romana. (ARANHA E MARTINS p. 231)

Essas preocupações começam a ser esboçadas e ganhar força mesmo no interior da Igreja, entre os seus sacerdotes e teólogos.
Como vemos os moinhos começam a mover-se no interior da Igreja e muitos começam a clamar pela necessidade de haver o direito de que cada um pudesse investigar por si mesmo os escritos sagrados. Essas divergências tiveram uma aurora na Reforma Protestante do século XVI com Martin Lutero.
A fé como dádiva gratuita de Deus. Era assim que Lutero enxergava. Para ele a salvação não dependia de fatores externos, mas internos e qualquer pessoal poderia individualmente buscar a salvação de sua própria alma. Para ele as obras exigidas pela Igreja não proporcionariam ao homem paz de espírito e felicidade que buscavam, mas que era sua busca individual pela virtude da fé que os levaria ao encontro da paz e da felicidade.
Porém, por que Lutero revolucionou uma época e influenciou a história, será que seus escritos não se resumiam a simples reflexões teológicas e buscas espirituais? Se, pretendemos analisar com mais detalhe o que Lutero rejeitou veremos que o que ele pretendia era revolucionar e contribuir para a mudança de um modo de pensar.
Pensemos um pouco no filósofo e teólogo católico Tomás de Aquino. O objetivo de Tomás de Aquino era manter o monopólio da Igreja no estudo do psiquismo já que os conhecimentos produzidos por ela passaram a ser questionados. O livro Psicologias – Uma introdução ao estudo da psicologia faz uma importante observação nesse sentido ao dizer que

Aristóteles

São Tomás de Aquino foi buscar em Aristóteles a distinção entre essência e existência. Como o filósofo grego, considerava que o homem, na sua essência, busca a perfeição através de sua existência. Porém, introduzindo o ponto de vista religioso, ao contrário de Aristóteles, afirma que somente Deus seria capaz de reunir essência e existência, em termos de igualdade. Portanto, a busca de perfeição do homem seria a busca de Deus.
Esse conceito, mais uma vez mantinha a Igreja e seu papado como autoridade no que se diz a busca pela satisfação individual e ética humana. Ao apontar a relação entre Deus e o homem sob uma perspectiva filosófica e psicológica (salvo que falar de psicologia nessa época é sempre relacioná-la ao campo religioso), a Igreja através de argumentos racionais explora mais uma vez a individualidade do homem, que subordinado a Deus estava subordinado a Igreja que representava Deus na Terra.
Lutero na verdade, questiona esse pensamento ao dizer que o homem pode individualmente, sem a interferência da Igreja, buscar a essência de sua existência, a felicidade e a paz de espírito.
Ao passo que o Escolástico São Tomas de Aquino tenta explicar a fé através da razão, Lutero rejeita essa ideologia, afirmando que a fé dispensa o conhecimento e a discussão. Defendendo a fé e a busca individual por Deus, Lutero sabiamente prega que se a escolha religiosa é individual, a hierarquia católica eclesiástica era fútil e inútil.

Subjetividade e escolha religiosa

Estamos interessados em saber como o luteranismo contribui para a formação da filosofia e de nosso conceito sobre subjetividade.
Como sabemos, o objeto de estudo da psicologia é contribuir para o estudo da subjetividade, porém, entendamos o que é subjetividade.
O livro Psicologias – Uma introdução ao estudo da psicologia  traz uma descrição interessante para a palavra subjetividade, a autora diz:


“a subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme vamos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural; é uma síntese que nos identifica, de um lado, por ser única, e nos iguala, de outro lado, na medida em que os elementos que a constituem são experiência dos no campo comum da objetividade social”. (BOCK, 2008)

Como vemos, a subjetividade são as nossas manifestações afetivas e comportamentais, o mundo de idéias, criada através de nossas relações sociais.
Lutero, portanto, abalou ao dizer que o homem tinha direito de escolher sua religião, as estruturas sociais e culturais de uma sociedade e influenciou diretamente o desenvolvimento da subjetividade nos indivíduos de sua época e das posteriores. Isso porque, a subjetividade não é inata ao ser humano, antes é desenvolvida aos poucos através de sua atuação no mundo social e cultural. Ao mexer com a estrutura desse mundo, Lutero altera o conceito de subjetividade e psiquismo, pois “criando e transformando o mundo (externo), o homem constrói e transforma a si próprio”. (BOCK, 2008)
Lutero movimentou e transformou uma época, sendo assim um dos que se tornaram responsáveis pelo conceito acima expresso de subjetividade, tomada como algo individual, baseada através de nossas escolhas e moldada pelas condições sociais e culturais de uma época. Ele trouxe novos elementos ao conceito de subjetividade como individualidade e escolha, ao liderar a Reforma Protestante ele agrega novas experiências e modifica e renova as determinações dos seres em seu mundo interior.
Ao traduzir a Bíblia Sagrada, ele dava a cada indivíduo a possibilidade de entendê-la por si mesmo, para ele não existia a necessidade da ajuda ou explicações de um clérigo. Dessa forma, mais uma vez ele dá às pessoas o direito de por si mesmas entenderem a bíblia, compreenderem a si mesmas e criar novas rotas e utopias. Ele abriu caminho para novas ideologias e formas de pensar que dispensavam a autoridade da Igreja sob o psiquismo humano.
De uma forma mais contundente, a autoridade papal foi questionada e a individualidade do Ser e sua busca pessoal por auto-realização foi defendida pela liberdade de obtenção do conhecimento.
Além disso, ao discutir política, Lutero convoca uma reflexão ainda mais profunda sobre o papel do Estado e da Igreja em uma sociedade e altera a constituição da mesma que foi por tantos séculos defendida pelo argumento, e quando esse falhava, pela espada.
De forma similar, ao promover o acesso da pessoa comum às escrituras sagradas e a oportunidade de a interpretarem por si mesmas, ele contribui para que o modo de pensar segregacionista platônico de divisão da alma fosse de certa forma alterado, pois não eram só mais os intelectuais que podiam ou tinham condições de interpretar a bíblia devido a suas aptidões, mas até mesmo escravos, servos, soldados e o próprio rei o podiam fazer.


Conclusões

Sem sombra de dúvidas a Reforma liderada por Lutero alterou a forma de pensar de uma época inteira, defendeu a individualidade ética, a liberdade de escolha e questionou o monopólio intelectual dos religiosos consagrados. Todos esses fatores sem dúvida contribuíram para a modificação ou renovação da subjetividade dos indivíduos, acarretando novas impressões de mundo externo que influencia o mundo de idéias de cada um.
A Reforma Protestante foi protestante em ainda outro sentido, pois questionou os conhecimentos produzidos pela Igreja e protestou a autoridade que ela queria manter sobre o estudo do psiquismo humano. Sem dúvida, a reforma não foi apenas religiosa, mas cultural, social e política e foi o ponto de partida para que posteriormente outros pudessem estudar o psiquismo sem a interferência da Igreja. Mas o beneficio maior, sem dúvida foi a modificação de um mundo externo que passou a influenciar diretamente o interior humano, convidando cada uma para refletir mais e melhor sobre questões que dizem respeito à individualidade humana e busca por felicidade e paz de espírito.
Todos esses fatores influenciaram a formação da psicologia e são dados importantes para ela, já que esta reforma religiosa contribui para que comece a ocorrer uma separação entre conhecimento religioso e conhecimento psicológico.


Bibliografia


ARRANHA, Maria Lucia de Arruda/ MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – Introdução a Filosofia. 3 ed. São Paulo, SP: Moderna, 2003.

Bock, Ana Mercês Bahia. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia/Ana Mercês Bahia Bock, Odair Furtado, Maria de Lourdes Trassi Teixeira – 14ª edição – São Paulo: Saraiva, 2008.

FREIRE, Izabel Ribeiro. Raízes da Psicologia. 12 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010

Gilson, Etienne. O Filósofo e a Teologia, Editora Paulus, 1993.

3 comentários:

  1. legal. era exatamente o q eu estava procurando. Larissa

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  2. Martinho Lutero,realmente foi um dos marcos da histórica pois revolucionou , tanto o campo da educação , economia , e politica sem tirar , a valorização da subjetividade,no qual enfocou o homem e a fé , concluindo que o ser deveria aceitar o que conhecesse e nao aceitar obrigatoriamente !

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  3. Gostei muito da matéria "São Tomas" este era parente do Edir Macedo !!

    Muito legal o conteúdo e visão do Bloge.

    Parabens

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